Educação, Ludicidade e Prevenção das Neuroses Futuras: uma proposta pedagógica a partir da Biossíntese

Cipriano Carlos Luckesi


 


 


 

Introdução


 

Os problemas que atingem a educação hoje são graves e da magnitude das grandes escalas. A educação contemporânea, seja na esfera das nações em particular, seja na esfera mundial, apresenta múltiplas carências, tanto sob os aspectos quantitativos, quanto sob os aspectos qualitativos.

Não vamos nos ater, aqui, aos indicadores quantitativos, não teremos como, pedagogicamente, reduzir, por exemplo, os alarmantes quantitativos de analfabetos que existem no mundo, que já atingem a faixa de 900 milhões de cidadãos; o que significa um sexto dos homens e mulheres acima dos 14 anos de idade existentes no planeta. Porém, é certo que o pedagógico pode ser um auxiliar também no atendimento dessa grande demanda, na medida em que uma prática educativa, qualitativamente satisfatória, produz menos repetentes, menos excluídos e menos evadidos.

Não nos ateremos, pois, a abordar essas imensas carências quantitativas, ainda que elas sejam gravíssimas e mereçam a maior atenção possível, especialmente por parte das políticas públicas nacionais e internacionais. Interessa-nos, aqui, tomar a questão interna do próprio fazer educativo, nas perspectivas emergentes para o próximo século, oferecendo subsídios para trabalhar com o ser humano na sua totalidade, em suas características biológicas, psicológicas e espirituais. Para isso, vamos nos utilizar das bases da Biossíntese.

Neste contexto, temos por objetivo discutir como a educação, centrada na ludicidade e tendo por base os conhecimentos e práticas emergentes da Biossíntese, é um meio fundamental para atingir os objetivos do Projeto de Wilhelm Reich de "prevenção das neuroses futuras". Para Reich, a neurose é a cronificação de uma solução como a única verdadeira para todos os problemas da vida. Uma solução pode ser muito boa, mas para um problema específico e não para todo e qualquer problema emergente. Quando uma solução nasceu como um mecanismo de defesa do sujeito numa situação qualquer e não como uma fluidez da vida, ela se cronifica e, por isso mesmo, torna-se neurótica. A esse modo de ser, Reich deu o nome de caráter neurótico e ao modo fluído, flexível, que segue a dinâmica da vida, ele deu o nome de caráter genital. O caráter genital é um caráter ideal, que, na prática, não existe, mas pode ser buscado, na medida em que coloca-se como meta e dá uma direção à vida.

A educação, no seu metier próprio, é uma mediação bastante adequada para o cuidado do ser humano saudável, caso seja conduzida com adequação. Por si, ela está voltada para o futuro e, como tal, pode e deve servir de mediação para a construção de uma vida mais pulsante e saudável e, por isso mesmo, menos cronificada e, consequentemente, menos neurótica, no sentido reicheano.

A educação, nos seus diversos âmbitos, familiar, religiosa, não-formal, formal, tem a possibilidade de mediar uma construção sadia da vida. Na medida em que grande parte da população mundial passa por ela (aproximadamente cinco sextos de todos os homens e de todas as mulheres existentes no mundo), é imenso o poder que tem a educação de interferir numa direção sadia a ser dada à vida. Neste sentido, a ludicidade com fundamento na Biossíntese pode, a partir de sua teoria e de sua prática, oferecer fundamentos para uma educação voltada para um futuro menos neurótico e mais promissor para a vida humana, na medida em que seu objetivo é restaurar e estabelecer uma vida mais saudável a todo ser humano. A Biossíntese possui suficiente aporte teórico e metodológico que pode dar fundamento a uma prática educativa lúdica, tema que nos interessa diretamente neste texto.

A Biossíntese nasceu como uma área de conhecimentos científicos e de recursos clínicos para a psicoterapia, portanto operando com as forças regressivas manifestas dentro do ser humano; porém, não enclausura-se exclusivamente nesse âmbito de atuação, abrindo as possibilidades de trabalhar também com as forças progressivas, e, por isso mesmo, também, buscando portas para o âmbito da educação. Prioritariamente, configura-se como uma área clínica psicoterapêutica, porém suas bases teóricas oferecem múltiplas possibilidades para as práticas educativas, como veremos, especialmente, no âmbito dos cuidados com a organização ou reorganização da vida ética, emocional e espiritual do ser humano.

A Biossíntese pode oferecer e oferece, para uma educação lúdica, recursos teóricos e práticos que delimitam cuidados antecipados frente às possibilidades de "prevenção de neuroses futuras", como dizia Reich; assim como propicia, também, recursos para a restauração de neuroses, cujas raízes estão no passado. Com isso não estamos querendo dizer que um educador deva tornar-se um psicoterapeuta. De forma alguma! Estamos sinalizando, isso sim, que um trabalho educativo, realizado com cuidados específicos e adequação, podem restaurar experiências traumáticas do passado (forças regressivas), ao mesmo tempo, abrindo portas para a exuberância da vida no presente e no futuro (forças progressivas). Ou, no inverso, como é o caminho apropriado da educação, organizando o futuro (forças progressivas), restaura o passado (forças regressivas).

Uma prática educativa lúdica tem seu centro de atenção na formação de um Eu saudável em cada ser humano, de tal modo que cada um possa administrar a vida pessoal, coletiva e profissional da melhor forma possível, pulsante, alegre, realizada. A Biossíntese fornece bases para isso e sistematizar esses fundamentos para a uma prática educativa lúdica, que deseja ser saudável, é o objetivo da jornada deste texto


 


 

  1. Prolegômenos de uma educação lúdica e biossistêmica frente às necessidades emergentes do século XXI


     

    A partir de uma visão conjuntural, colocamos três pontos básicos de perspectivas emergentes para a educação no século XXI, que darão sustentação as nossas colocações para uma educação lúdica e biossistêmica: aprender a ser, a organização do campo emocional e prevenção de neuroses futuras.


     

    1.1. Aprender a ser


     

    Aprender a ser é o núcleo central da educação para o século XXI. Jacques Delors, no seu Relatório para a UNESCO da Comissão Internacional sobre Educação para o Século XXI, intitulado Educação: um tesouro a descobrir, após fazer análises quantitativas da educação no mundo atual e sua contextualização na presente conjuntura da globalização, aponta, do ponto de vista filosófico e pedagógico, quatro pilares para educação no século que, brevemente, se iniciará, que são: aprender a conhecer, aprender a fazer, aprender a viver juntos e aprender a ser, colocando este último como "via essencial" para os outros três.

    Ora, nossa tradição educativa está centrada quase que exclusivamente nos dois primeiros pilares indicados pela Comissão --- o aprender a conhecer e o aprender a fazer. Pior do que isso, está centrada nos "produtos" do conhecer e do fazer, que dá, respectivamente, o conhecimento estabelecido e o profissional técnico. Porém, a Comissão pensa que cada um dos 'quatro pilares do conhecimento' deve ser objeto de atenção igual por parte do ensino estruturado, a fim de que a educação apareça como uma experiência global a levar a cabo ao longo de toda a vida, no plano cognitivo como no prático, para o indivíduo enquanto pessoa e membro da sociedade. (...)

    Para tanto, no ver da Comissão, uma nova concepção ampliada da educação devia fazer com que todos pudessem descobrir, reanimar e fortalecer o seu potencial criativo --- revelar o tesouro escondido dentro de cada um de nós. Isto supõe que se ultrapasse a visão instrumental da educação, considerada como a via obrigatória para se obter certos resultados (saber-fazer, aquisição de capacidades diversas, fins de ordem econômica), e se passe a considerá-la em toda a sua plenitude: realização da pessoa que, na sua totalidade, aprende a ser.

    E, por último, definindo o aprender a ser, o Relatório se expressa da seguinte forma: a Comissão adere plenamente do postulado do relatório Aprender a ser: "O desenvolvimento tem por objeto a realização completa do homem, em toda a sua riqueza e na complexidade das suas expressões e dos seus compromissos: indivíduo membro de uma família e de uma coletividade, cidadão e produtor, inventor de técnicas e criador de sonhos". Este desenvolvimento do ser humano, que se desenrola desde o nascimento até a morte, é um processo dialético que começa pelo conhecimento de si mesmo para se abrir, em seguida, à relação com o outro. Neste sentido, a educação é antes de mais nada uma viagem interior, cujas etapas correspondem a da maturação contínua da personalidade. Na hipótese de uma experiência profissional de sucesso, a educação como meio para uma tal realização é, ao mesmo tempo, um processo individualizado e uma construção social interativa.

    Aprender a ser! Esta é a necessidade emergente que aponta perspectivas para a educação do século que se inicia. Neste entendimento, os desempenhos cognitivos estão presentes, porém não são exclusivos, como tem sido em nossa prática educativa. O Relatório aponta o aprender a ser como o mais fundamental de todos os pilares para a educação do século XXI, como um processo de "conhecimento de si mesmo" [que possibilita a abertura para o outro], como uma "viagem interior, cuja etapas correspondem às da maturação contínua da personalidade". É uma educação que está atenta ao ser humano como um todo, onde o conhecer, o fazer, o viver juntos sustentam-se no ser. Essa compreensão e proposição redireciona completamente a educação, que vimos praticando em nossas famílias e em nossas instituições educativas.

    Assim sendo, nosso primeiro prolegômeno é fundamentar e assumir uma proposta educativa que esteja centrada no aprender a ser, ou seja, que esteja voltada para as qualidades mais fundamentais do ser humano, que é a sua própria realização, tendo como centro sua tarefa de vida para esta existência. A Biossíntese responde a esse anseio.


     

    1.2. Organizar os campos da emoção e da espiritualidade


     

    Um segundo núcleo de atenção para a educação do século XXI é conseqüência do primeiro: trabalhar pela organização dos campos da vida emocional e da espiritualidade.

    Os campos energéticos organizados e em organização na humanidade, com certeza, também nos sinalizam rumos para a educação. Temos na humanidade, vamos dizer, quatro campos morfogenéticos organizados ou em organização, que pedem atenção de todos nós e, em especial, da educação com o papel e o poder que exerce na sociedade. São eles: o campo biológico, o mental, o emocional e o espiritual.

    O nosso campo biológico está profundamente organizado. Nosso corpo, biologicamente, apresenta uma fantástica e inteligente estrutura, organização e funcionamento, e uma surpreendente beleza em suas linhas esculturais, das mais variadas e inesperadas qualidades. Temos, pois, um corpo que, biologicamente funciona inteligente e belamente.

    O nosso campo mental está bastante organizado. A filosofia e as ciências, ainda que não dêem conta de tudo, já manifestaram e manifestam o seu poder de "produzir milagres". Investimos nos mais variados campos da vida e produzimos conhecimentos significativos em todos eles. Já são suficientes? Com certeza, não. Contudo, são fantásticos.

    Mas, no campo emocional, simplesmente, iniciamos a engatinhar em sua organização. É muito precária nossa vivência dos processos emocionais. As guerras quase que gratuitas estão aí, aos nossos olhos; do mesmo modo, a violência nas suas mais diversas manifestações, assim como o uso exacerbado e indevido do poder, as corrupções das mais variadas espécies, ... e tantas outras manifestações da "peste emocional", no dizer de Reich. Na vida emocional, ainda temos tudo por organizar.

    Por último, temos o campo espiritual, no qual estamos mais ainda a engatinhar. Alguns poucos seres humanos, se consideramos o montante de homens e mulheres sobre o planeta, iniciaram processos verdadeiros de busca da espiritualidade, através de estados sutis de consciência.

    Todos esses campos da vida humana merecem atenção e cuidados. Contudo, os campos emocional e espiritual são os mais carentes, os mais necessitados de atenção e cuidados. Em função disso, a educação no século XXI deve centrar sua atenção na tarefa de auxiliar crianças, adolescentes e adultos a se organizarem e se realizarem, além de cognitiva e profissionalmente, também emocional e espiritualmente. A imensa quantidade de investigações e de conseqüentes publicações sobre a vida emocional, no momento em que estamos vivendo, está apontando para essa necessidade. As abordagens sobre inteligência emocional, ainda que eu, pessoalmente, não goste do termo, vão nessa direção. Também as abordagens sobre vida espiritual estão se alargando.

    Para o século XXI, tendo em vista prevenção de neuroses futuras, a educação não poderá deixar de estar atenda a esses focos de atuação, que, por si, explicitam o anterior. O aprender a ser implica, obrigatoriamente, numa educação que auxilie a organização emocional e espiritual do ser humano.


     

    1.3. Prevenir neuroses e traumas futuros e restaurar neuroses e traumas passados


     

    Os traumas são marcas psicológicas profundas decorrentes de atos bruscos ou de sucessivas privações, que geram condutas automáticas no ser humano, a partir de bases inconscientes; e usualmente, são ações re-ativas. O terceiro núcleo de atenção da atividade educativa será prevenir neuroses e traumas futuros e restaurar as/os do passado, com os próprios recursos educativos.

    Peter Levine, no seu livro O Despertar do Tigre, entre muitas outras coisas, chama a atenção para as questões relativos ao trauma e a convivência social humana. As guerras, para ele, são resultados de re-atuação traumática. As citações, a seguir são longas, porém úteis para compreender como uma educação biossistêmica será profundamente importante para evitar traumas futuros e suas devastadoras conseqüências.

    Para o autor, ao lado de outros fatores sociais e econômicos, os traumas estão na base de todas as decisões agressivas da guerra que se dão no planeta. As razões da guerra --- diz o autor --- são profundas. Qualquer pessoa verdadeiramente honesta irá reconhecer que todos temos capacidade tanto para a violência quanto para o amor. Ambos são aspectos básicos da experiência humana. O que pode ser mesmo mais importante para compreender as raízes da guerra é a vulnerabilidade humana para o trauma. Não devemos esquecer que o trauma foi reconhecido pela primeira vez nos sintomas assustadores manifestados por alguns soldados que voltaram do combate. Como discutimos no capítulo anterior, quando não temos consciência do seu impacto sobre nós, o trauma cria um impulso compulsivo para a re-atuação.

    E se comunidades inteiras forem impulsionadas para as re-atuações em massa, uma nova "Ordem Mundial" tornar-se-ia uma polêmica sem sentido. A paz duradoura entre os povos em guerra não pode ser realizada sem que primeiro sejam cuidados os traumas do terrorismo, da violência e do horror em massa. Será que o impulso para a re-atuação impele sociedades que tem uma história de confronto após confronto? Considere a evidência e decida por si mesmo.

    Evidentemente que o trauma sozinho não é a causa da guerra; contudo, uma parte dos componentes desencadeadores da guerra tem suas raízes nos traumas. No ver de Peter Levine, o trauma é uma das causas básicas mais importantes para a forma que foi assumida pela guerra moderna. A perpetuação, o aumento e a violência da guerra podem ser atribuídas parcialmente ao estresse pós-traumático. Nossos encontros passados uns com os outros geraram um legado de medo, separação, preconceito e hostilidade. Esse legado é um legado de trauma, que não difere fundamentalmente daquele experienciado pelos indivíduos --- exceto em escala.

    A re-atuação traumática é uma das reações mais fortes e duradouras que acontecem na esteira do trauma. Uma vez que estejamos traumatizados, é quase certo que continuaremos a repetir ou a re-atuar, de algum modo, partes da experiência. Seremos repetidamente atraídos para situações que nos lembrem o trauma original. Quando as pessoas estão traumatizadas pela guerra , as implicações são assustadoras.

    Para compreender como se dá a mecânica da re-atuação traumática como uma resposta inconsciente na vida social, o autor nos convida a rever os conceitos básicos a respeito de experiências traumáticas a fim de que compreendamos o que expõe. Diz ele: Vamos rever o que sabemos sobre o trauma. Quando estamos traumatizados, os nossos sistemas internos permanecem ativados. Tornamo-nos hipervigilantes, mas incapazes de localizar a fonte dessa ameaça onipresente. Essa situação faz com que o medo e a reatividade aumentem, ampliando a necessidade de identificar a fonte da ameaça. O resultado: tornamo-nos candidatos prováveis à re-atuação --- em busca do inimigo.

    Com os conceitos, acima, avivados, o autor nos convida a um aprofundamento da reflexão sobre o significado do trauma na vida social, dizendo: imagine agora toda uma população com uma história pós-traumática semelhante. Agora, imagine duas populações assim, situadas na mesma região geográfica, talvez com idiomas, cores, religiões ou tradições étnicas diferentes. As conseqüências são inevitáveis. A ativação perturbadora com sua percepção contínua de perigo agora está "explicada". A ameaça foi localizada: "são eles". Eles são o inimigo. O impulso de matar, torturar e mutilar aumenta --- esses dois "vizinhos" parecem compelidos a assassinar um ao outro. Eles destroem os lares, as esperanças e sonhos uns dos outros. Ao fazê-lo matam o seu próprio futuro.

    Assim sendo, sucessivamente, os povos praticam replays de suas guerras: sérvios, muçulmanos e croatas retomam dores do passado recente e remoto, retroagindo até o Império Otomano; nações do Oriente Médico que repetem suas escaramuças desde os tempos bíblicos. E, onde as guerras não estão presentes, manifestam-se outras formas de violência, tais como o assassinato, pobreza, abuso infantil, ódio racial e religioso. A intolerância, em geral, tem sua raiz no ódio do outro a partir da autodefesa, que tem sua fonte no trauma.

    Por gerações sucessivas, os filhos repetirão os comportamentos do pais, no que se refere à reverberação do trauma. O ambiente familiar será o veículo útil para que o trauma dos pais ganhe forma e se repita na experiência dos filhos. Então, não haverá saída para as experiências decorrentes do trauma? O próprio Peter Levine aponta possibilidades: A solução para quebrar o ciclo do trauma é envolver bebês e mães numa experiência que gere confiança e vínculo antes de a criança ter sido completamente afetada pela desconfiança que os pais tem de si mesmos e dos outros.

    Solução difícil, na medida em que nós pais, por si sós, teremos muitas dificuldades, em primeiro lugar, para reconhecer o trauma e, mais profundo ainda, para curar nosso trauma e, consequentemente, não repeti-lo. Deste modo, um trabalho para a "prevenção das neuroses futuras" , como propunha Reich, depende de uma atividade educativa sadia e competente; ao mesmo tempo, capaz de organizar o futuro (forças progressivas) e restaurar o passado (forças regressivas), de tal forma que crianças, jovens e adultos, vivenciando as práticas educativas, possam flexibilizar seus bloqueios, que se expressam na rigidez de condutas, e tornarem-se pessoas pulsantes com a vida e, por isso mesmo, tolerantes com os outros.

    Mas, cabe ainda uma nota sobre a conduta neurótica, que, também, é re-ativa. Na visão de Reich, já o dissemos, um caráter neurótico é aquele que cronificou soluções, usando uma mesma solução re-atica a todas as situações da vida, aproximadamente parecidas. Seja por um processo brusco seja por um processo de pequenos e sucessivos abusos, inconscientemente, criamos uma resposta mecânica e automática a variadas situações. Dada qualquer situação que suporta ou manifesta a menor possibilidade de uma ameaça, aciona-se a antigo resposta de defesa cronificada e, então, vem a re-ação. A dificuldade na vivência pessoal e na convivência não tem sua origem somente nos traumas bruscos e violentos, mas também em "traumas" decorrentes de sucessivos atos e respostas cronificados, aquilo que Reich denominou de caráter neurótico.

    Em síntese, o aprender a viver juntos depende do aprender a ser e este transita por um modo de ser que possa prevenir as neuroses futuras, para que cada cidadão possa realizar-se como pessoa e como cidadão; isso significa uma reorganização de nossa campo emocional.

    Nesse contexto, uma educação lúdica, com base na Biossíntese, terá muito a oferecer à sociedade e à história humana, como contribuição para que se estabeleça um fluxo sadio da vida, cumprindo as qualidades dos prolegômenos de uma educação para o século XXI: um aprender a ser, que implica numa organização emocional, o que implica na prevenção das neuroses e de traumas futuros. Como? A explicitação dos pontos básicos de uma educação lúdica e biossistêmica pode nos apontar alguns caminhos.


     

    2. Educação, ludicidade e prevenção das neuroses futuras: uma proposta pedagógica a partir da Biossíntese


     

    2.1. Educação e ludicidade: elucidações conceituais


     

    Nos últimos tempos, temos visto nascer uma preocupação estimulante com a ludicidade na vida humana, que se manifesta por múltiplas expressões, tais como: os investimentos culturais científicos e econômicos no lazer, nas atividades para a denominada terceira idade, no incremento das viagens, nas brinquedotecas, nas videotecas, na prática educativa lúdica na família, na escola, no treinamento de recursos humanos na empresa... Domenico de Masi vem falando do "ócio criativo". São muitas,... muitas, as expressões!

    A educação em geral e a educação escolar, em particular, não tem estado ausente desse movimento, apesar de termos ciência das imensas lacunas existentes nessa área, seja no que se refere à produção científica, seja nos cuidados com a prática, seja mesmo na amplitude de sua utilização na escola e na sala de aulas.

    Uma educação lúdica tem na sua base uma compreensão de que o ser humano é um ser em movimento, permanentemente construtivo de si mesmo. Ela foge ao entendimento de que o ser humano é um ser dado pronto e que deve, no decorrer da existência, "salvar a sua alma", visão sobre a qual está assentada a pedagogia tradicional. Uma prática educativa lúdica só pode assentar-se, ao contrário, sobre um entendimento de que o ser humano, através de sua atividade e conseqüente compreensão da mesma, constrói-se a cada momento, na perspectiva de tornar-se mais senhor de si mesmo, de forma flexível e saudável.

    As atividades lúdicas, por si mesmas, são construtivas, na medida em que são ações; e, sabemos, a partir de várias tradições teóricas, que o ser humano enquanto age modificando o mundo, modifica-se também a si mesmo. Para citar alguns, basta lembrar Marx, Piaget, Claparède, John Dewey.

    O que a ludicidade traz de novo é o fato de que o ser humano, quando age ludicamente, vivencia uma experiência plena. Com isso, queremos dizer que, na vivência de uma atividade lúdica, cada um de nós estamos plenos, inteiros nesse momento; nos utilizamos da atenção plena, como definem as tradições sagradas orientais. Enquanto estamos participando verdadeiramente de uma atividade lúdica, não há lugar, na nossa experiência, para qualquer outra coisa além dessa própria atividade. Não há divisão. Estamos inteiros, plenos, flexíveis, alegres, saudáveis. Poderá ocorrer, evidentemente, de estar no meio de uma atividade lúdica e, ao mesmo tempo, estarmos divididos com outra coisa, mas ai, com certeza, não estaremos verdadeiramente participando dessa atividade. Estaremos com o corpo ai presente, mas com a mente em outro lugar e, então, nossa atividade não será plena e, por isso mesmo, não será lúdica.

    Brincar, jogar, agir ludicamente, exige uma entrega total do ser humano, corpo e mente, ao mesmo tempo. A atividade lúdica não admite divisão; e, as próprias atividades lúdicas, por si mesmas, nos conduzem para esse estado de consciência. Se estivermos num salão de dança e estivermos verdadeiramente dançando, não haverá lugar para outra coisa a não ser para o prazer e a alegria do movimento ritmado, harmônico e gracioso do corpo. Contudo, se estivermos num salão de dança, fazendo de conta que estamos dançando, mas de fato, estamos observando, com olhar crítico e julgativo, como os outros dançam, com certeza não estaremos vivenciando ludicamente esse momento.

    A atividade lúdica propicia um estado de consciência livre dos controles do ego, por isso mesmo criativo. O nosso ego, como foi construído, em nossa história pessoal de vida, na base de ameaças e restrições, é muito constritivo, centrado em múltiplas defesas. Ele reage à liberdade que traz a atividade lúdica em si mesma. Por isso, uma educação centrada em atividades lúdicas tem a possibilidade, de um lado, de construir um Eu (não um ego) saudável em cada um de nós, ou, por outro lado, vagarosamente, auxiliar a transformação do nosso ego constritivo num Eu saudável. Educar crianças ludicamente é estar auxiliando-as a viver bem o presente e preparar-se para o futuro. Educar ludicamente adolescentes e adultos significa estar criando condições de restauração do passado, vivendo bem o presente e construindo o futuro.

    Deste modo uma educação lúdica, a nosso ver, é uma orientação adequada para uma prática educativa que esteja atenta à formação de um ser humano ou de um cidadão saudável para si mesmo e para a sua convivência com os outros, seja na vida privada ou pública.

    Para participar de uma prática educativa com essa qualidade, necessitamos do ser humano inteiro: de sua espiritualidade, de sua mente e de seu corpo. Daí a razão pela qual a Biossíntese, como uma teoria biopsicoespiritual da ser humano, nos oferecer as bases para esse empreendimento. Servirmo-nos dela, a seguir.


     

    2.2. Biossíntese: elucidações históricas e conceituais


     

    Biossíntese é uma área psicoterapêutica, criada por David Boadella, psicoterapeuta inglês, com data marcada do ano de 1974, porém os estudos, para se chegar a sua primeira configuração, se estende por muitos anos para o passado.

    Em torno de 1950, David Boadella foi treinado em vegetoterapia. Em 1957, iniciou seus trabalhos como terapeuta individual; em 1970, criou a revista científica intitulada Energy and Carater. Em 1974, apresentou, pela primeira vez, a Biossíntese já com essa denominação e com uma configuração teórico-prática definida, através de uma conferência denominada Stress e Caráter, no Instituo Tavistock de Relações Humanas, em Londres.

    Entre 1975, logo após a primeira formulação da Biossíntese, e 1985, David Boadella ministrou cursos de formação nessa área psicoterapêutica em mais de trinta espaços geográficos do mundo, situados na Europa, Japão, América do Norte e América do Sul.

    David Boadella diz que "Biossíntese significa integração da vida", o que quer dizer possibilitar à vida o seu pulsar e a sua expressividade espontânea e criativa, nas suas múltiplas áreas e dimensões.

    Podemos compreender Biossíntese em dois sentidos. Na sua conotação essencial significa "integração da vida", uma prática terapêutica, com conhecimentos e técnicas específicos de atuação na restauração do fluxo da vida, que possibilita a cada ser humano a sua expressividade espontânea e livre. Na sua constituição como área de conhecimento, ela integra organicamente conhecimentos e saberes provenientes de muitas tradições científicas, filosóficas e religiosas. Neste sentido, David Boadella diz que a Biossíntese é um "continuum evolutivo de conceitos e práticas retiradas de muitas fontes e integradas num nível de ordem superior. Como um sistema ecológico, ela se mantém na diversidade, conquanto seja cimentada pela coerência e inter-relação cooperativa entre as habilidades e os princípios que a compõem".

    Hoje, David Boadella define a Biossíntese com as seguintes palavras: "Biossíntese significa integração da vida e refere-se aos processos específicos de autoformação, que guia o crescimento orgânico o desenvolvimento pessoal e a emergência espiritual". Assim sendo a compreensão teórico-prática da Biossíntese baseia-se em três pilares constitutivos do ser humano: a existência somática, a experiência psicológica e a essência do ser.

    Decorrentes dessa visão, são três as formas de compreensão e atuação da Biossíntese que lhe garantem sua especificidade e o seu caráter próprio.

    Em primeiro lugar, é uma psicoterapia corporal, derivada dos estudos teóricos e das propostas terapêuticas de Wilhelm Reich; porém acrescidos dos princípios básicos da embriologia funcional, que estuda o ser humano no seu processo formativo embrionário. Nesta instância, a compreensão teórica e a prática terapêutica da Biossíntese integra e coordena padrões de respiração, tônus muscular e expressão emocional, tendo como objetivo restaurar os padrões de ondas respiratórias e do fluxo da vida no corpo, que dão base a expressividade da vida.

    Em segundo lugar, a Biossíntese dá atenção, no processo terapêutico, à organização e reorganização da personalidade, integrando sentimentos como forma de comunicação, integrando a percepção e a cognição como formas de entendimento, e as ações como decisões praticadas. Deste modo, sentimentos, ação e pensamentos tornam-se mutuamente interativos e articulando-se no fluxo vital do corpo.

    Em terceiro lugar, está atenta à experiência bioespiritual, centrada na compaixão por si mesmo e pelos outros e enraizada num claro contato com a necessidade de dar base às qualidades essenciais do ser humano. Esta terceira fonte de atenção da Biossíntese tem a ver com as qualidades do coração, no sentido de centro vital.

    Em síntese, a Biossíntese é um processo de terapia que reconhece a especificidade e a variedade dos caminhos do desenvolvimento individual subjacente a autoformação de cada ser humano. Através de sua multidimensionalidade e seus distintos níveis constitutivos (físico, vital, emocional, mental, espiritual) interconectados, o ser humano produz diferentes modos de vida, que podem manifestar-se de duas formas básicas: fechados ou abertos. O sistema fechado apresenta-se através dos bloqueios corporais das distorções da personalidade e dos desvios da espiritualidade; o sistema aberto, ao contrário, reflete contato físico sadio consigo mesmo, vivacidade na personalidade e contato com as qualidades do coração (qualidades essenciais).


     

    2.3. Educação lúdica biossistêmica e prevenção das neuroses futuras


     

    A Biossíntese ainda não possui uma proposta pedagógica estabelecida. Então, da teoria e da prática terapêutica da Biossíntese, vamos fazer emergir uma concepção e uma prática pedagógicas, que, com certeza, estará na direção daquilo que Reich propunha "da prevenção das neuroses futuras". A falta de melhor denominação, vamos adjetivar de lúdico-biossistêmica a proposta e a prática educativa lúdica que se sustenta teoricamente na Biossíntese.


     

    2.3.1. O ser humano como um ser em movimento


     

    Em primeiro lugar, para constituir uma educação lúdico-biossistêmica, importa conceber o ser humano como um ser em movimento.

    A Biossíntese, no rastro da biologia, da psicanálise, da epistemologia genética e de tantas outras escolas científicas e filosóficas, concebe o ser humano como um ser em movimento, ou seja, como um ser que se constitui ao longo do tempo, em suas interações com o meio em que vive.

    Para a Biossíntese, o ser humano se forma ao longo de sua existência, através de suas múltiplas interações com os elementos componentes do seu meio: pessoas, meio natural, meio social, político, religioso,... O que implica numa construção interna e externa profunda de si mesmo, que se manifestará tanto através de padrões universalizantes, como através de padrões individuais de conduta, portanto, manifestando padrões gerais de conduta assim como idiossincrasias.

    Até finais do século passado, se concebia o ser humano como um ser dado pronto. No momento da concepção, Deus criava uma alma nova e a infundia no corpo que estava para se formar. A alma estava pronta e somente o corpo se desenvolvia. Mas, a partir de meados do século dezenove, tanto biologicamente (Darwin), quanto sociologicamente (Marx), e psicologicamente (Freud, já no final do século), começamos a entender o ser humano como um ser que não é dado pronto, porém que se constitui no espaço e no tempo.

    A Biossíntese insere-se nessa tendência; por isso, assume que o ser humano, em sua trajetória de vida, faz-se a si mesmo em suas interações com o meio, sendo algumas bem sucedidas e outras, não; contudo, todas elas fazendo parte do amálgama da existência.

    O ser humano constitui-se através de suas ativas interações com o meio em que vive. No início, com os pais e irmãos, dentro da família nuclear; depois, com a família mais abrangente, tais como avós, tios, tias, primos, primas...; a seguir com os amigos da família e os filhos dos amigos da família; professores, pastores, vigários, ... Contudo, também como um pano de fundo, a natureza circundante, a cultura local, regional e nacional. Também o lugar na classe social a que pertence... Enquanto o ser humano age, constitui-se a si mesmo através dessa ação. Evidentemente que sofremos as determinações do nosso meio, mas também modificamos o mesmo e, nessa troca, ocorrem ganhos, perdas, fixações, fluidez.

    A visão lúdico-biossistêmica da educação compreende e assume o ser humano como um ser em constituição sempre; por isso, faz eco a decisão do Relatório da UNESCO sobre Educação para o Século XXI, quando configura o conceito de "educação ao longo de toda a vida". Ou seja, esteja em que momento estiver da vida, o ser humano tem em si o potencial da mudança e, pois, de transformação.

    Ao assumir este ponto de vista, a educação estará investindo permanentemente no ser humano, por acreditar que ele é inacabado e, deste modo, passível de autoorganização e de transformações, seja no estágio da infância, da adolescência ou da vida adulta.

    Uma educação, cujos recurso básico seja a ludicidade não pode fugir a uma perspectiva biossistêmica, ou assemelhada, que assuma o corpomente como um fator fundamental da existência humana. A atividade lúdica, por si, é ação, e, como tal, implica em movimento, em construção. Na medida em que agimos ludicamente, criamos nosso mundo e a nós mesmos de forma lúdica.

    Para praticar uma educação e uma vida lúdica, necessitamos de vivenciar, integrada e simultaneamente, a mente e o corpo, ou, se preferirmos, o corpomente ou a mente corpo.


     

    2.3.2. O ser humano visto a partir das camadas embrionárias


     

    A Biossíntese compreende o ser humano, biopsicoespiritualmente, a partir de suas camadas embrionárias --- endoderma, mesoderma e ectoderma ---, que se manifestam como correntes energéticas da vida, que se organizam no processo de interações com tudo o que existe, visível e invisível. O endoderma dá origem a todas as víceras, o mesoderma a toda a estrutura de sustentação e o ectoderma a todos os meios e mecanismos da comunicação; respectivamente, temos, nos seus fundamentos somáticos, sentimento, movimento, pensamento.

    No início de nossa vida embrionária, temos essas camadas em equilíbrio, ou seja, temos as possibilidades de "centrar", "aterrar" e "comunicar", que são as tarefas fundamentais da vida humana, sem bloqueios. Porém, os acontecimentos da gravidez da qual nascemos, o nosso nascimento e os acontecimentos pós-parto, trazem múltiplos eventos que desequilibram a harmonia entre as três camadas e seus componentes biopsicoespirituais. E, no decorrer da existência, muitos outros eventos, em nossa relação com o meio, produzem desequilíbrios nessa harmonia e, consequentemente, no nosso modo de ser.

    Desequilibramos nossas capacidades de centrar, movimentar e de comunicar. Esse desequilíbrio faz com que nosso agir se vincule mais a uma do que a outra dessas operações básicas de nossa vida. Estar unicamente centrado em nossos sentimentos é um distúrbio, na medida em que o movimentar-se e o comunicar-se ficam prejudicados; mas, também, o movimentar-se em excesso é um desequilíbrio, assim como comunicar-se em excesso. No decorrer de nossa existência, podemos aprofundar esses desequilíbrios ou restaurá-los. Se as origens desses desequilíbrios forem muito profundos, é claro, vai haver necessidade de uma atuação específica com um profissional especializado. Contudo, mesmo neste tipo de quadro, atividades educativas que conduzam ao treinamento do centrar-se, do aterrar e do comunicar terão sadios efeitos sobre o ser humano. Uma prática pedagógica lúdica, por si, propicia o centrar-se, aterrar-se e comunicar-se, na medida em que ela exige o máximo de atenção, o que implica em estar presente no corpo, no mundo real e, a partir daí, ocorre o facing com o outro, a comunicação.

    Assim sendo, os educadores poderão ter um papel profundamente benéfico na vida dos educandos, na medida em que os auxiliem a treinar equilibradamente esses modos essenciais de ser do ser humano. Por exemplo, na escola, com atividades lúdicas relativamente simples, podemos auxiliar o educando a ir para centro de si mesmo, para a sua confiança interna e externa; não é, também, difícil nem coisa tão especial estimulá-lo à ação; como também ao pensar. Mais à frente, teremos oportunidade de abordar as questões técnicas. Por enquanto, basta saber que atuar na perspectiva das forças progressivas pode ser um grande ganho para cada criança e para cada adolescente, inclusive na perspectiva de sanear algumas dificuldades e traumas do passado, mesmo que não se atue diretamente sobre eles. O acolhimento e o confronto amoroso podem suavizar, senão curar, muitos bloqueios, de um modo vital.


     

    2.3.3. Campos da vida humana


     

    Tomando por base os elementos, acima expostos, a Biossíntese compreende e trabalha terapeuticamente com o ser humano na perspectiva de restaurar e estimular os seus fluxos vitais e, para delimitar o seu modo de trabalhar terapeuticamente, utiliza-se do diagrama que se segue. No caso, ele apresenta uma chave para a compreensão e atuação do terapeuta. Define e configura sinteticamente os campos da experiência humana, segundo a compreensão da Biossíntese. Pode ser uma chave de compreensão e de atuação, também do educador em geral e para o educador que trabalha com ludicidade, como veremos.

    O diagrama pode ser lido de diversas maneiras. Inicialmente, pelas camadas circulares, em número de três: a primeira camada representa nossa experiência mais externa, nossas relações que tem por base nossas máscaras, nossos mecanismos de defesa, congelados em nossa musculatura; a segunda camada mostra nossas qualidades mais verdadeiras e mais próximas do centro, de nossa essência, daquilo que verdadeiramente somos ( na medida em que nossos mecanismos de defesa são flexibilizados, nossas qualidades mais verdadeiras vem à tona); a terceira camada, a mais interna, representa nossa essência, nossas qualidades mais profundas.

    Em segundo lugar, o diagrama pode ser visto pelas camadas horizontais, também, em número de três: a inferior relativa ao corpo, composta pelos campos 1 e 2; a intermediária relativa à personalidade, refere-se aos fatores emocionais, e é composta pelos campos 3 e 4; a superior, composta pelos campos 5 e 6, relativa à experiência simbólica, onde estão presentes as crenças, os símbolos, os valores do imaginário, da mente. Evidentemente que as distinções entre as camadas, neste diagrama, são exclusivamente didáticas. O ser humano funciona como um todo corpomente, onde corpo, emoções e o imaginário operam conjunta e integradamente.

    Pode ser lida, ainda, verticalmente. No caso, o lado esquerdo do diagrama expressa o interpessoal, expressando nossas relações com o mundo exterior e com as pessoas, no níveis do corpo, da vivência emocional e da experiências do simbólico. O lado direito do diagrama expressa a experiência intrapessoal, expressando nossas interações conosco mesmos, tendo como referência o corpo, a personalidade e o imaginário.

    Na camada externa, onde estão expressos nossos modos de ser mais externos, podemos observar configurações específicas quando ao corpo, à vida emocional, e às crenças. São áreas de trabalho direto e imediato, pois que são os mais visíveis e observáveis.


     


    Os campos 1 e 2 representam as experiências corporais; o 1 tem a ver com a sobrecarga ou a subcarga energética manifesta na estrutura do corpo e em sua massa muscular; o 2 traz a questão da respiração hipercontrolada ou caótica.

    Os campos 3 e 4 tem a ver com a estrutura da personalidade; o 3 define os padrões de relacionamentos, que podem ser, opostamente, de privação ou de invasão; o 4 delimita os padrões emocionais de repressão ou de explosão.

    Os campos 5 e 6 referem-se aos níveis da experiência espiritual, sendo que o 5 expressa a linguagem confusa ou defensiva e o 6 o imaginário restritivo (crenças símbolos errôneos).

    A segunda faixa do diagrama expressa a segunda camada de nossa personalidade, mais sadia e organizada, por isso intermediária entre nossas máscaras e nossa essência. Ë a faixa que expressa nosso esforço de conhecermos e reconhecermos o que somos e ainda como somos para administrar nossa vida de um modo mais saudável.

    Os campos 1 e 2 referem-se ao corpo: o primeiro, aos impulsos naturais de movimento e, o segundo, ao ritmo centrado de respiração.

    Os campos 3 e 4 referem-se à personalidade: o campo 3 refere-se ao relacionamento como contato e diálogo e o campo 4, clareza emocional.

    Os campos 5 e 6 referem-se as nossas crenças e nossos símbolos: correspondentemente, linguagem conectada e imaginário criativo.

    A terceira e última camada refere-se a nossa essência, ao nosso verdadeiro centro, em contato com nosso self pessoal, integrado no Self Transpessoal. A qualidade centrada no coração de nós mesmos, nossa missão nesta experiência de vida.

    O trabalho terapêutico da Biossíntese tem por objetivo iniciar desbloqueando as constrições corporais, reorganizar a personalidade e clarear crenças errôneas de cada um de nós, conseqüentemente, possibilitando a cada ser humano o ingresso na segunda camada do nosso ser, que é muito mais organizada e fluída que a primeira; em si, mais verdadeira. Nessa camada, o ser humano aproxima-se do seu centro essencial de energia vital.

    Para proceder esse trabalho terapêutico, a Biossíntese opera com os seguintes recursos, tendo presente os campos da experiência da vida humana, apresentados no diagrama:

    campo 1: trabalho motórico com o tônus muscular e com movimentos expressivos;

    campo 2: trabalho energético com os ritmos de respiração vital e sutil;

    campo 3: trabalho com ressonâncias e interferências no campo do relacionamento interpessoal;

    campo 4: trabalho com o espetro de contenção e liberação relativo à expressão da emoção;

    campo 5: trabalho para limpar e clarear nossa linguagem de suas distorções comunicativas;

    campo 6: trabalho transformativo sobre as crenças restritivas, que limitam nossa visão do mundo e da realidade;

    na área central do diagrama, trabalho para conectar-nos com a voz do coração, através do desenvolvimento da percepção sutil. Quando trabalhamos com a essência, entramos em contato com os níveis sutis da experiência; entramos em contato com o ground interior e com as qualidades básicas do nosso ser.

    Essa visão dos campos da vida humana, estabelecidas no diagrama acima, pode nos indicar, também, caminhos fundamentais para uma prática educativa em geral e para uma prática educativa lúdica em específico, que tenha por objetivo a "prevenção das neuroses futuras".

    O campos 1 e 2, que estão configurados em torno da expressão corporal, podem ser perfeitamente trabalhados pela educação física, que por si está voltada para o corpo. Contudo, importa dar uma nova direção a essa prática educativa, abandonando a velha forma militar de forjar o corpo sob a égide de uma disciplina externa, aversiva, punitiva, assim como uma educação física centrada na calistenia, que busca um corpo "malhado". Dessa forma, numa educação lúdico-biossistêmica, educação física deverá estar centrada na possibilidade do aterramento (ground) externo e interno, de movimentos flexíveis, de uma boa e sadia respiração que alarga os canais de circulação de energia e, pois, da vida, assim como na percepção das emoções e dos sentimentos, que estão contidos na musculatura.

    Os campos 3 e 4, que se referem à vida emocional, seja na relação com os outros, seja na relação consigo mesmo, podem ser trabalhados nas múltiplas oportunidades de relacionamentos no seio da atividade educativa. Acolher, ser acolhido, dar continência, aceitar a continência do outro, dizer sim, dizer não, dialogar, encontrar soluções coletivas e comuns, trabalho coletivo, etc..., são tantas as oportunidades na atividade educativa de se trabalhar a vida emocional, tanto em relação a si mesmo, como em relação ao outro.

    Por último, os campos 5 e 6, relativos ao imaginário e à linguagem, podem ser trabalhados através de todas as disciplinas escolares, de forma semelhante como ocorreu com os campos anteriormente definidos.. Para tanto, importa acolher as crenças de cada criança, de cada adolescente ou de cada adulto, para que possam ser vistas de frente, analisadas e, possivelmente, modificadas. Caso, tenhamos esses cuidados com os seis campos da vida humana, apresentados no diagrama acima, poderemos fazer da educação uma grande oportunidade de "prevenção das neuroses futuras", na medida em que cada criança, cada adolescente ou cada adulto poderá melhor organizar sua experiência corporal, sua vida emocional, assim como seu mundo do imaginário, das crenças e dos símbolos, que dão direção à vida. A educação lúdica, por sua vez, faz isso tudo --- trabalha o corpo, atua sobre a relação emocional consigo mesmo e com os outros, trabalha a compreensão mental ---, mas acrescentando a plenitude e a alegria.

    No trabalho em Biossíntese, nos conectamos com três vias de trabalho terapêutico, como também podem ser três as vias do trabalho educativo:


    a via da transmutação, que organiza e reorganiza o corpo e a personalidade, trabalhando com a organização emocional, com a liberação dos bloqueios de energia e com os pontos de constrição emocional;

    a via da transformação, que vai mais profundamente que a transmutação e atua na área biossocial dos serviços a si mesmo e ao coletivo, trabalhando com a manifestação de nossas qualidades essenciais na vida diária;

    a via da transcendência, mais profunda ainda, que atua nos processos transpessoais, trabalhando com a desidentificação dos nossos processos egóicos e estabelecendo contato profundo com nosso ground interior da espiritualidade corporificada.

    Deste modo, o trabalho terapêutico, assim como o trabalho educativo de autodesenvolvimento, proposto pela Biossíntese, integra as várias áreas do ser humano --- sensorial (corpo), da personalidade (emocional), das crenças (experiência do imaginário) --- e, consequentemente, de suas diversas dimensões --- corporal, emocional e espiritual. A intenção do trabalho em Biossíntese é possibilitar ao ser humano integrar-se na sua experiência pessoal e social, de tal forma que possa viver bem consigo mesmo e com os outros dentro dos parâmetros da verdade, do respeito de si mesmo, do respeito do outro, da convivência, do ser. Para isso, importa possuir um corpo sadio, uma personalidade integrada e crenças claras.

    No caso, a Biossíntese dá a base para uma prática pedagógica lúdica, que, com alegria, possibilita ao educando centrar-se em si mesmo, tendo suporte para reconhecer-se quem é e como é; assim como possibilita uma sólida base corpomente, aterrando-se a si mesmo no mundo do real, sem a busca de fugas e subterfúgios; e, por último, propiciando as condições de intimidade suficiente para garantir a comunicação livre, criativa e verdadeira.


     


     

    2.3.4. A ação terapêutico-educativa lúdico-biossistêmica


     

    O trabalho terapêutico em Biossíntese tem como finalidade possibilitar a cada ser humano viver, o melhor que pode, sua experiência de vida, aprendendo, inclusive a conviver com os bloqueios, se não for possível ultrapassá-los, agora.

    O objetivo do trabalho terapêutico --- diz Boadella --- é restaurar na pessoa um estado de pulsação saudável na qual as atividades básicas da vida são rítmicas, dão prazer, e trabalham para facilitar o contato consigo mesma e com os outros.

    E, acrescenta que não devemos olhar o trabalho terapêutico como um "produto" a ser conseguir, mas sim como um processo. Centrar a ação no produto pode distorce o verdadeiro trabalho terapêutico que é permitir ao cliente restaurar o seu fluxo de vida.

    Configurando esse limite crítico, Boadella sinaliza que, em Biossíntese, o processo de crescimento terapêutico é mais importante do que o produto. Se focalizarmos o produto, nós poderemos facilmente começar a fazer demandas ao paciente que preenchem nosso modelo de saúde: por exemplo, a demanda para ser emocionalmente expressivo pode seguir-se à crença de que expressão emocional é saudável. O enfoque "produto" para a terapia pode impor demandas novas, algumas vezes resultando em uma nova forma de tirania, sobre pessoas, cujos problemas podem já estar relacionado com seguir as demandas dos outros.

    Mas, então, qual a direção adequada do trabalho terapêutico?
    Responde ele: Num trabalho terapêutico, muita atenção é colocada na direção na qual a pessoa que está sendo ajudada deseja mover-se, o problema que confronta e os passos que quer dar. Se, como ocorre freqüentemente, ela está com pouca clareza sobre estes, o terapeuta trabalha para suavizar a respiração e soltar as tensões musculares, a tal ponto que a direção do crescimento e tendência ao movimento do cliente pode ser diretamente experienciada. Há um emergente no cliente, um tema, uma potencialidade, uma direção interna, que pode ser diretamente experienciada pelo terapeuta e ajudada a desenvolver-se. Portanto, o terapeuta não procura dar direções ao cliente, exceto como medida temporária; mas ajuda a descobrir suas direções internas.

    Na medida que há muitos estilos diferentes de vida, [também] não há somente um objetivo para a terapia, mas muitos. Cada pessoa, à medida que se aproxima de encontrar seu mais profundo impulso direcional --- seguindo-o ---, experimenta prazer, aumento de vitalidade e um sentido mais completo de plenitude.

    Harmeel Ali, em seu livro The Elixir, coloca que muitas terapias decidem o que é bom para uma pessoa e, então, oferecem isto. Por exemplo "entrega" pode ser o objetivo de um sistema terapêutico e desenvolver o poder da vontade pode ser o objetivo de outro. O que se necessita, contudo, é que o terapeuta e o cliente, consultando-se, determinem qual é o próximo passo para o crescimento do cliente; e, [então, o terapeuta] ajuda-o a dar o próximo passo, mais do que mover-se em direção do objetivo do terapeuta. Aquele que necessita desenvolver maior entrega e aquele que necessita desenvolver mais poder da vontade, estão ambos relacionados a um processo no qual o objetivo pode ser visível ou invisível.

    O que importa é restaurar o fluxo da vida, e, neste contexto, o terapeuta não tem a solução, mas é aquele que, amorosamente, acolhe, sustenta e confronta a experiência, os anseios e os caminhos do cliente, para que ele mesmo faça o seu trajetória, enquanto caminha.

    A prática educativa em Biossíntese pode e deve seguir o mesmo processo: garantir ao educando, através das múltiplas possibilidades de atividades pedagógicas, de um lado a organização criativa de sua vida e, de outro (por que não?) a restauração de muitas dores do passado que estão impedindo a vida de fluir como deve.

    A prática educativa lúdica, como é ativa, por si só, oferece ao educando a oportunidade de confrontar-se consigo mesmo, descobrindo seus limites e possibilidades; e, assim sendo, restaurando o passado, vivendo e compreendendo o presente, como construindo o futuro.

    Deste modo, o que importa é organizar e/ou reorganizar a vida de forma saudável e, se isso for buscado, certamente que experiências negativas do passados serão restauradas, de tal forma que a vida se torne mais pulsante.

    Certamente que essa ação curativa da educação não será mecânica, no sentido de que, exercitada, obrigatoriamente, a fluidez da vida virá. Haverá, sim, um processo e este implica em cuidados, dedicação e tempo. Deste modo, nem todos os educandos vivenciarão do mesmo modo as atividades didáticas propostas; haverá, sim, toques, mas eles não serão iguais para todos; uns reagirão de uma forma, outros de outra.

    Não será um psicoterapeuta que praticará esta educação, mas sim um educador, qualificado a partir dos princípios da ludicidade e da Biossíntese.


     


     

    2.3.5 O profissional lúdico-biossistêmico


     

    Quem será o profissional que praticará essa educação? Tomando por base três estilos de interação entre educador e educando, estabelecidos por Paulo Freire --- invasão, privação, diálogo ---, Boadella configura a relação ideal do terapeuta com o cliente, no seio da Biossíntese, que pode, também, ser a conduta do educador lúdico-biossistêmico.

    O terapeuta invasor penetra no cliente --- diz ele. Ele se transforma não no terapeuta, mas no estuprador. Ele pode estuprar o cliente com interpretações que atiram no inconsciente ( modos que Reich já condenava em 1933) ou ele pode ser invasor por usar técnicas corporais de pressão para forçar uma resposta e superar a resistência do cliente. (Invasão é uma falta de respeito pelos limites do cliente e resulta no desestímulo ao cliente para confiar em seu próprio processo de desenvolvimento.)

    Privação é um estado onde o terapeuta retira do cliente alguns dos nutrientes básicos que ele necessita para crescer. Um terapeuta corporal, [por exemplo], que recusa palavras e priva o cliente da experiência da linguagem ou um terapeuta verbal que não tem insights em relação ao corpo podem privar o cliente de experiências kinestésicas.

    O medo de invadir pode levar à privação; o medo de privar pode levar à invasão. Entre esses dois modos perturbados de relacionamento, existe o diálogo.

    O diálogo pode ser verbal e não verbal. O terapeuta aberto para o diálogo, aprenderá do seu cliente da mesma forma que o ensinará. Haverá uma interação mais dinâmica entre eles, baseados numa comunicação aberta e processos mutuamente desenvolvidos. Diálogo é uma maneira de contato que cria ressonância com o cliente. Esta ressonância é a mesa de som que pode ser usada para avaliar a adequação de qualquer técnica usada. A pessoa do cliente é de importância primária; as técnicas são de importância secundária.

    A pessoa do terapeuta pode ser demasiadamente impessoal ou demasiadamente pessoal (...) Esses dois tipos de terapeuta não são capazes de manejar adequadamente os fenômenos e processos envolvidos nas relações de transferência e na contratransferência; nestes contextos, só existem as possibilidades da ausência ou da simbiose. Entre esses dois extremos, há lugar para o compartilhar de emoções humanas profundas, de uma forma humana e calorosa.
    Esse é o lugar do terapeuta.

    Esse também é o lugar do educador, aquele que pode e deve fazer trocas profundas com o educando, através do diálogo; ensinando que é possível dialogar, sem invadir e sem privar.

    Dentro dessa configuração, Boadella apresenta cinco possibilidades de estilos de relação terapêutica, que também podem ser os cinco estilos de possibilidades de relação entre educador e educando, chegando a conclusão de que existe, exclusivamente, um estilo que configura o modo de ser do terapeuta (ou do educador, no nosso caso) em Biossíntese, onde ambos, terapeuta e cliente (ou educador e educando) dançam a dança da vida, para que o cliente (ou o educando) encontre seu caminho, ao caminhar:


     

    Estilo 1: terapeuta ativo e cliente receptivo

    Estilo 2: terapeuta e, também, cliente ativo

    Estilo 3: terapeuta e cliente praticam uma dança energética

    Estilo 4: cliente ativo e, também, terapeuta ativo

    Estilo 5: cliente ativo e terapeuta receptivo.


     

    Observando essa proposição, verificamos que os estilos 1 e 5 são os extremos, no primeiro estilo predomina a ação do terapeuta (educador), no segundo a do cliente (educando). Nos estilos indicados pelos números 2 e 4, há como que uma disputa entre terapeuta (educador) e cliente (cliente) ou entre cliente (educando) e terapeuta (educador). Só no estilo 3, terapeuta (educador) e cliente (educando) encontram o verdadeiro caminho, onde ambos respeitam seus respectivos papéis: o terapeuta (educador) como aquele que acolhe, sustenta e confronta a experiência do cliente (educando) e o cliente (educando) como aquele que vivencia a sua experiência, sua jornada pessoal, seu caminho pessoal e não o do terapeuta (educador), mas com sua continência. Boadella fala, então, de um "dança energética" entre terapeuta (educador) e cliente (educando).

    É nessa dança que corpo, personalidade e imaginário podem ser acolhidos, confrontados e transformados, de tal forma que cada pessoa, cada cliente, cada educando ultrapasse a máscaras limitantes de nossa primeira camada da personalidade e nos aproximemos de centro mais verdadeiro do nosso ser.

    Para cumprir esse papel, tanto o terapeuta como o educador em geral e o educador lúdico em específico necessitam de "ser o adulto da relação". Isso significa que, no caso da educação, o educador é aquele que acolhe, nutre, sustenta e confronta, amorosamente, o educando, para que ele possa formar-se na sua interação com o outro, que lhe subsidia condições de desenvolvimento. O educando, na fala de David Boadella, representa o principio formativo e o educador representa, nessa relação o principio organizativo. Não há formação para a verdade e para a autonomia de cada um, sem a interação com o outro; por isso, os princípios formativo e organizativo interagem numa dialética permanente de tal forma que o verdadeiro ser do educando vá se configurando.

    Só uma dança energética entre terapeuta e cliente ou entre educador e educando pode fazer isso. Só essa dança pode restaurar as ameaças das neuroses e traumas do passado, abrindo portas para uma vida saudável no presente e no futuro.

    Poder-se-á perguntar, aqui: como se forma esse profissional para atuar dentro desta perspectiva pedagógica? Penso que, de um lado, pelo permanente processo de auto-investigação. Isso exige atenção permanente ao nosso próprio modo de ser de reagir e de atuar; aos nossos estados de ânimo; às nossas reações diante dos educandos e suas condutas, assim como diante dos acontecimentos do dia a dia. Caso nossa conduta seja reativa e não responsiva, vale a pena prestar atenção no que está acontecendo. Possivelmente, estaremos necessitando de modificar nossa conduta.

    Por outro lado, torna-se necessário o estudo, o aprofundamento, participando de grupos estudos no nosso âmbito de trabalho, participação em grupos de autodesenvolvimento, participando de cursos específicos (pequenos ou longos), conversando com colegas. O que importa, sempre, é o desejo de agir de uma forma adequada, na perspectiva de "dançar com o educando a dança energética da vida". Se esse desejo estiver sempre vivo e presente, nossa autoformação se fará através dessas atividades ou de muitas outras; e, então, poderemos, dia a dia, agir de um modo cada vez mais satisfatório para nós mesmos e para nossos educandos.


     

    3. Concluindo


     

    Em síntese, a partir dos conceitos e das práticas da Biossíntese, podemos e devemos deduzir uma proposta e uma prática pedagógicas que possam formar o se humano no seu mais verdadeiro contato consigo mesmo, respondendo as demandas emergentes neste final de século e na abertura para o século XXI. Assim sendo, a educação é, também, um processo de cura, seja no sentido de "cuidado com o futuro" (prevenção das neuroses futuras), seja no sentido de "restauração do passado", no sentido que, cuidando do futuro, obrigatoriamente mobilizamos e restauramos qualidades do passado, olhando para elas e transformando-as; e isso é bastante curativo. Contudo, caso a prática educativa não assuma os cuidados delimitados pela Biossíntese ou outra teoria semelhante, teremos, sim, a reprodução e multiplicação de neuroses e traumas do passado, assim como projetamos neuroses e traumas para o futuro. A questão está posta para nós todos que, de alguma forma, praticamos a educação --- pais, professores, pastores, vigários, mestres, treinadores de recursos humanos... Cabe olhar para ela.

    A prática educativa lúdica, por ter seu foco de atenção centrado na plenitude da experiência, propicia tanto ao educando quanto ao educador oportunidade ímpar de entrar em contato consigo mesmo e com o outro, aprendendo a ser, tendo em vista viver melhor consigo mesmo e junto com outro. Para uma prática educativa lúdica é necessária uma teoria que leve em consideração o ser humano na sua totalidade biopsicoespiritual, na medida em que assenta-se no corpo, organizando a personalidade e estabelecendo crenças orientadoras da vida.


     


     


     

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