O que é brincar na visão das crianças?


Adriana Meregalli Camargo


 

Durante estes oito semestres do Curso de Pedagogia - Licenciatura Plena,
estudamos sobre o lúdico, os jogos, como trabalhá-los, tudo segundo alguns
autores como Lev Vygotsky, Henri Wallon e Jean Piaget, mas na prática, a
visão das crianças pouco foi discutida, por nós educadoras.

Moreno (apud, Aroeira;Soares e Mendes,1996) fazendo uma síntese dos
principais pensadores menciona que Lev Vygotsky destaca que no jogo a
criança encena a realidade, utilizando regras de comportamento socialmente
constituídas. Para Wallon, o jogo é uma forma de organizar o acaso, de
superar repetições. No jogo a criança manifesta suas disponibilidades de
ação. Jean Piaget, por sua vez, destaca que o jogo representa a
predominância da assimilação sobre a acomodação. Assim, a imitação, o
desenho e a linguagem, contribuem para a construção da representação pela
criança.


 

O desenvolvimento humano decorre de trocas que estabelecem durante toda a
sua vida entre indivíduos e o meio, assim, o jogo permite comportamentos
espontâneos e improvisados, uma vez que há liberdade para a tomada de
decisões e as regras podem ser criadas pelos participantes.


 

Muito se diz que o jogo é importante para as crianças. Em vista disso
pergunto: Por quê? As respostas são as mais diversas: é um momento de
integração, interação, de divertimento, de aprender, de desenvolver
habilidades... Para mim, o jogo é mais do que o simples ato de brincar,
pois no jogo, nas brincadeiras a criança se comunica com o mundo, se
expressa e sociabiliza de acordo com a sua percepção do que é brincar.


 

Foi pensando nisto que resolvi saber qual é a visão da criança sobre o
brincar. Para isso pergunto: o que é brincar para a criança? Existem
momentos mais adequados para brincar que outros? É possível conciliar
brincadeira e estudo?


 

Para responder a estas questões elaborei o presente artigo em três partes.
Na primeira parte teremos uma pequena visão histórica dos jogos e
brincadeiras na sua evolução pedagógica, fazendo uma relação com os
brinquedos de antigamente e os atuais . Na segunda parte, relato a visão
das crianças sobre os jogos e brincadeiras, suas fantasias, imaginação,
brinquedos e brincadeiras prediletos. Na terceira parte destaco a visão
das crianças sobre quais momentos que brincam e se a estes momentos podem
ser conciliados os estudos.


 

As respostas encontradas são fundamentadas a partir da prática pedagógica
realizada no período de 31 de março a 06 de maio de 2003, com uma turma de
3ª série, da Escola Municipal de Ensino Fundamental José Paulo da Silva,
localizada no distrito de Atlântida Sul, Osório.


Alguns aspectos da evolução pedagógica dos jogos


 

As concepções sobre os jogos foram sofrendo modificações ao longo do
tempo. Segundo Kishimoto (1990), Platão já destacava a importância de
"aprender brincando", em oposição a utilização da violência e da opressão.
Já Aristóteles sugeria que para educar crianças os jogos deveriam imitar
atividades sérias, de ocupação adulta, como forma de preparo para a vida
futura. Na Idade Média, era do Cristianismo, o jogo foi banido da
educação, pois era visto pela igreja como algo pecaminoso. Foi no século
XVII, com o Renascimento Italiano que novos ideais foram introduzidos, e o
jogo começa novamente a fazer parte do cotidiano da educação. Nesta época,
os jogos não eram classificados como infantis ou para adultos, por que as
crianças eram vistas como adultos em miniaturas. Rosseau destaca a
necessidade de educar a criança conforme sua "natureza infantil",
apontando para o brinquedo como objeto e ação de brincar. É com Froebel
que o jogo começa a fazer parte da história da educação.


 

É por intermédio dos jogos e brinquedos que a criança adquire a primeira
representação do mundo e penetra no mundo das relações sociais,
desenvolvendo um senso de iniciativa e auxilio mútuo. Brincando e jogando,
a criança reproduz as suas vivências transformando o real de acordo com
seus desejos e interesses.


 

No período de estágio, durante uma brincadeira na hora do recreio, alguns
alunos questionaram-me sobre como eram as brincadeiras antigamente, então
resolvemos pesquisar em casa com os pais e trazer as respostas no dia
seguinte. Foi muito interessante, pois eles descobriram sozinhos, por
meio da sua curiosidade, investigação, a resposta para seus
questionamentos.


 

O questionamento proposto foi o seguinte: como e quais eram os jogos
brinquedos antigamente? Como são os brinquedos agora? São os mesmos? O que
mudou? Descreva sua brincadeira predileta.


 

A ansiedade era grande para expor o que haviam encontrado. As respostas
eram as mais variadas, mas de certa forma, se repetiam. Embora a realidade
de cada família fosse diferente umas das outras, os integrantes das
famílias viviam no mesmo contexto histórico e em culturas semelhantes, nas
quais predominavam os mesmos brinquedos.


 

Os brinquedos eram construídos pelos próprios pais e avós. As crianças
relatam que sabugo de milho servia para fazer boizinhos, carrinhos de
taquara, de madeira ou lata com rodinhas de mandioca, bonecas de pano,
jogo de bolita, jogo da velha, pular corda, subir em árvores, carro de
lomba, cinco marias, amarelinha, cantigas de roda, faziam parte da
infância de seus pais, e como não tinham como comprar brinquedos eles
próprias inventavam suas brincadeiras e fantasias. Como afirma Vygotsky
(1984,p.11): "A ação surge das idéias não das coisas: um espaço de madeira
torna-se um boneco e um cabo de vassoura torna-se um cavalo. A ação por
regras começa a ser determinada pelas idéias e não pelos objetos."
Nas suas respostas, as crianças mencionavam a diferença dos brinquedos
antigos e atuais, hoje alguns brinquedos são mais modernos e sofisticados.
São de plástico, de pelúcia, de borracha, de ferro. "Alguns continuam
iguais e outros mudaram devido a tecnologia, hoje tem vídeo - game,
SKATE", diz um aluno.


 

Por ser uma comunidade pequena, de hábitos simples, os brinquedos como
bola, carrinhos, bonecas, bicicleta, jogo de bolita, cantigas de roda,
brincar de escolinha, jogar futebol, esconde - esconde, gata - cega, pular
corda, jogo do caçador, SKATE, carrinhos com controle remoto, fazem parte
do cotidiano destas crianças. Podemos observar que algumas brincadeiras
"antigas" fazem parte destes tempos atuais vividas pelas crianças.
A tecnologia está tão avançada que os jogos e brinquedos tornam-se
estranhos aos pais. Na sua infância estavam acostumados a brinquedos
simples e modestos que aguçavam mais sua imaginação, criando suas
próprias histórias, suas fantasias, seu mundo de faz-de-conta. Para
Friedmann (1996,p.11): "Os jogos e brincadeiras , evidentemente, mudaram
muito desde o começo do século até os dias de hoje nos diferentes países e
contextos sociais. Mas o prazer de brincar não mudou."


 

A evolução tecnológica está presente em nossas casas nas coisas mais
simples como os brinquedos e jogos eletrônicos. Por isso deve-se ter uma
atenção e interesse maior em saber com o que nossas crianças estão se
divertindo, pois nestas brincadeiras elas também estão construindo sua
aprendizagem, criticidade, criatividade e visão de mundo.


 

A visão das crianças sobre o brincar


 

Baseada em observações que realizei durante aulas de recreação na praça
próxima a escola, relato qual foi a visão das crianças sobre o que é
brincar, seus sentimentos e fantasias em uma das tardes em que fomos a
praçainha . A aula dividiu-se em dois momentos, o primeiro com atividades
dirigidas e o segundo momento com atividades livres, onde as crianças
inventavam suas próprias brincadeiras.


 

Estava uma tarde de sol maravilhosa, ótima para uma boa caminhada,
atividades recreativas e divertidas. Quando disse a eles que iríamos até a
praça, logo começaram a se organizar, preparar o material como cordas e
bolas. A conversa, a euforia e a "bagunça" foi inevitável até chegarmos ao
local. Eles gostavam muito do trabalho em sala de aula, de atividades
diversificadas e significativas, mas com certeza, preferiam atividades
lúdicas e recreativas.


 

Chegando na praça, todos estavam muito alegres, ansiosos pelo início das
brincadeiras. Iniciamos com brincadeiras com bolas, como: bola ao lado,
bola a cima, bola em baixo, caçador... e logo após, passamos as
atividades ou brincadeiras com cordas, como: cabo de guerra, pular corda
em grupos ou individualmente e cada macaco no seu galho. Desde o início
das brincadeiras os meninos clamavam pelo tão adorado futebol, mas não se
opuseram a realizar as atividades propostas.


 

Foi maravilhoso ver o envolvimento das crianças durante as brincadeiras, a
participação, cooperação, integração entre todos da turma. Uma observação
interessante é que não há rivalidade entre os grupos apesar de algumas
brincadeiras estimularem a competição. Estavam sempre trocando de grupos,
para que não se formassem as tradicionais "panelinhas", apesar de uma
determinada dupla sentir receio em se separar, mas não houveram maiores
problemas quanto a separação da mesma, quando necessário.

No segundo momento das atividades, disse-lhes que podiam brincar do que
quisessem, então dirigiram-se para as atividades que mais lhes chamava
atenção. A maioria dos meninos, correram para o campo de futebol, alguns
foram brincar nos balanços junto com as meninas, e o restante da turma
ficaram na quadra pulando corda e jogando vôlei. As vezes havia
revezamento entre os participantes para que todos pudessem participar de
todas as brincadeiras.


 

Terminado o tempo para ficarmos na praça, retornamos para a escola e
durante o caminho fomos conversando sobre as atividades realizadas. Já na
sala de aula, como tema de casa, eles deveriam responder algumas
perguntas como: O que é brincar para ti? O que sentiste brincado na
pracinha? Do que mais gostaste de brincar? Parti do pressuposto que em
casa poderiam refletir melhor sobre as atividades que realizaram durante o
período em que estavam na pracinha.


 

No outro dia, todos relataram suas reflexões, seus sentimentos. Brincar
segundo as crianças é diversão, é alegria, é jogar bola, é brincar de
SKATE, é andar de balanço, é alegria, é uma coisa que toda criança gosta
de fazer. Alguns responderam que "brincando a gente aprende muita coisa",
"é legal porque a gente sabe uma brincadeira e aprende outra", "brincar
para mim é se divertir, porque a gente se esquece de tudo e entra na
brincadeira", relatam dois alunos Outro aluno ainda disse: "Na pracinha eu
me sinto voando, quando estou no balanço ou na gangorra". As crianças
sentem prazer no que estão fazendo, para eles há um significado próprio
para cada atividade, sentem liberdade para se expressar. Isso pode ser
percebido na resposta que uma das crianças deu: "quando a gente brinca
não fica triste". Na praça as brincadeiras prediletas foram gangorra,
balanço, jogar bola, pular corda, pega-pega, esconde-esconde.
Pude observar que este momento é muito mais do que um tempo para as
crianças praticarem atividades físicas ou de recreação. É um espaço que
eles utilizam para se expressar, se comunicar, divertir, esquecer do seu
mundo real para viver em um mundo de fantasia, de sonho, de imaginação. O
ato de brincar para as crianças é um processo onde elas constróem seus
conhecimentos, sua aprendizagem, sua visão do mundo em que vivem,
socializam seus desejos, fazendo sempre aquilo que gostam, que têm
significado para elas, do modo que lhe fazem sentir bem.


 

Será que hora de brincar é só no recreio?


 

Estamos acostumados desde crianças a cumprir regras e horários. Assim,
temos horários para acordar pela manhã, tomar café, almoçar.... enfim
somos programados para seguir determinadas condições que nos são impostas.


 

Na escola não deixaria de ser diferente. Temos horários para entrar,
lanchar, ir para o recreio e para ir embora, logo horário de brincar é na
hora do recreio, fora isto é hora de estudar. Mas será que precisa ser
assim? Friedmann (1996,p.15) afirma que: "O jogo fica relegado ao pátio ou
destinado a "preencher" intervalos de tempo entre aulas. Entretanto, o
jogo pode e deve fazer parte das atividades curriculares."


 

"Não tenho tempo para brincar com as crianças, tenho um currículo a
cumprir". Durante os períodos de estágio, discussões durante o curso,
conversas com colegas professoras ouvi isto, não só em relação a questão
do brincar, mas também em relação as práticas pedagógicas, metodologias de
trabalho, avaliação... entre outros.


 

Na escola é possível planejar os espaços de jogos na própria sala de
aula, aproveitando os recursos disponíveis como classes e cadeiras. No
pátio fica ainda mais fácil, pois o espaço é mais amplo, de fácil
aproveitamento, sem contar que as crianças se divertem muito mais em
aulas ao ar livre.


 

A escola que realizei estágio, por ser uma escola pequena, não possuía
muitos recursos disponíveis em bom estado de conservação, apenas algumas
bolas e cordas, os quais utilizávamos quando íamos a uma praça próxima a
escola, pois como o pátio era muito pequeno, os gritos, barulhos,
atrapalhavam as turmas que estavam em sala de aula.
Como eu já havia detectado que algumas crianças possuíam dificuldades em
algumas áreas da matemática como: dúzia, dezena, multiplicação, fizemos a
hora do bingo. Confeccionamos as cartelas em sala de aula com papel
sulfite e eles deveriam escolher sete números dentre os quais eu havia
colocado no quadro, para inserir em suas cartelas. Em cada rodada poderiam
trocar os números das cartelas. De dentro de um saco colorido eu retirava
as fichas com as operações que eles deveriam efetuar. Quem tivesse na sua
cartela o resultado, marcaria com uma mangueirinha o número (utilizamos a
mesma mangueirinha que confeccionamos para o ábaco). Logo quem tivesse
preenchido toda a cartela primeiro gritaria "bingo" e seria o vencedor da
rodada.


 

Outra atividade realizada, foi a dança da cadeira. Organizamos as cadeiras
em círculo na sala de aula, de acordo com a música eles andavam em volta
do círculo, quando parasse a música, deveriam sentar. Quem ficasse sem
cadeira deveria, iniciar um texto no quadro. O assunto era livre, e assim
os próximos a sair da brincadeira continuariam o texto.


 

Nas duas atividades pude observar que o interesse, a cooperação,
integração e a aprendizagem foram maiores do que se eu tivesse dado estas
atividades no quadro para eles resolverem ou um tema para que fizessem uma
produção textual com assunto determinado.


 

Eles estavam, sem notar, estudando e se divertindo ao mesmo tempo, isso
demostra que é possível fazer com que estes dois itens tão importantes na
vida de uma criança, estudar e brincar, sejam conciliados, não só na sala
de aula, mas também em casa. Buscar informações, temas de casa
diversificados, atrativos, significativos, estimulam mais o interesse,
instigam a curiosidade da criança na busca para encontrar as respostas
para suas dúvidas e até mesmo reforçar o que foi visto diariamente em sala
de aula.


 

Em minha vivência durante o estágio, os estudos, as leituras, fizeram-me
perceber que a educação depende em grande parte da motivação da criança.
Suas necessidades e interesses são muito importantes e devem ser levados
em consideração, por nós educadores, durante as atividades. O educador
tem um papel fundamental na motivação da criança para que haja
aprendizagem. Ele deve desenvolver atividades que instigue na criança a
curiosidade, a vontade de aprender, a busca de informações e
principalmente, que tenha para a criança significado.


 

As crianças devem ser consideradas pela escola como seres sociais,
privilegiando o seu contexto sócio-econômico e cultural, reconhecendo as
diferenças existentes entre elas. Para isso se faz necessário propiciar as
crianças um desenvolvimento integral e dinâmico e oferecer instrumentos
para que possam tornar possível a construção da sua autonomia,
criticidade, responsabilidade e cooperação. Cada indivíduo necessita
construir sua própria personalidade e conhecimentos e para que tal
processo ocorra, o brinquedo torna-se algo fundamental.


 

Não é suficiente dar a criança o direito ao jogo. Para ser uma atividade
significativa é preciso instigar nela o interesse e o desejo pelo jogo, e
para isso não basta somente ampliar o tempo de brincar ou o tempo do
recreio, é preciso que o educador tenha uma nova postura frente as
brincadeiras e ao espaço em que elas acontecem.


 

Considerações Finais


 

Com o passar dos tempos, os jogos e suas concepções foram modificando-se,
evoluindo, de acordo com cada época, com as discussões feitas por autores
e até mesmo, creio eu, por discussões realizadas pelos educadores.


 

Mudaram tanto que os jogos que eram comuns a todos, adultos e crianças,
hoje são mais específicos, há brincadeiras, os jogos infantis e os que são
considerados para adultos.


 

Para muitos os jogos e brincadeiras ainda têm um único objetivo: que as
crianças possam ficar por alguns minutos, ou algumas horas, entretidos,
distraídos. O jogo é mais que isso. No momento em que as crianças estão
ali, concentradas na sua brincadeira, que é tão significativa para ela, a
criança tem a chance, a oportunidade de expressar seus sentimentos,
desejos, interesses, pensamentos, suas idéias e sua visão do meio que a
cerca, e também aprender.


 

Durante a realização das brincadeiras e dos jogos, a criança cria seu
mundo lúdico, sua história. O jogo é uma atividade que dá prazer, libera
as emoções de quem joga ou brinca. Na brincadeira a criança também
aprende, se diverte, enfrenta desafios, interage com o meio e com o seu
interior, isso porque, há motivação e significado para ela.


 

Brincar para as crianças é o momento em que elas se divertem, sentem-se
livres para se expressar, viver no seu mundo de fantasias. Cada atividade
tem seu significado próprio, único para cada um que brinca. A interação
com amigos ou colegas torna a brincadeira mais gostosa, mais divertida,
mas não significa que brincar sozinho não proporcione estes sentimentos a
criança.


 

Penso que na sala de aula, na rua, no pátio de casa, no playground, na
praça, os jogos e brincadeiras, das mais antigas as mais atuais, devem
continuar fazendo parte do cotidiano de nossas crianças, integrado com a
sua realidade e seus interesses. O ato de brincar é mágico, é único,
prazeroso e inesquecível, pois as lembranças de nossa infância guardaremos
para sempre conosco.


Bibliografia

AROEIRA, Maria Luísa Campos; SOARES, Maria Inês B.; MENDES,Rosa Emília de
A. Didática da Pré-escola: vida criança: brincar e aprender. São Paulo:
FTD,1996.


FRIEDMANN, Adriana. Brincar: crescer e aprender - O resgate do jogo
infantil. São Paulo: Moderna,1996.

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